Quem procura, acha

alice ripper
8 min readDec 29, 2022

--

Eu sempre fui dessas pessoas que não levava horóscopo muito a sério, sabe? Pseudociência, coisa e tal… Nunca me identifiquei com as coisas que diziam sobre meu signo, “vingativa”, “sensual” pffff, sempre estive looonge disso…, mas uma coisa eu realmente fazia, quando eu cismava com algo ou alguém eu ficava completamente obcecada. Não conseguia pensar em outra coisa, precisava saber TUDO sobre aquilo ou sobre a pessoa em questão.

Só que eu não tinha muito sucesso no amor, minha vida amorosa nunca foi das mais badaladas. Então, eu curtia os romances pelas minhas amigas, pelas histórias que elas me contavam. Acompanhava tudo sempre, praticamente em tempo real, porque assim que elas chegavam de um date ou começavam a flertar com alguém elas me contavam. Eu adorava essa fofoquinha boa, afinal, eu era só ouvinte dela, sequer tinha pra quem repassar. Mas sempre num instinto protetor, eu procurava tudo sobre cada cara ou cada mina que elas se relacionavam. Às vezes eu nem contava nada pra elas, era só pra ter certeza que era alguém de boa e que não iria magoar o coração das minhas amigas. Mas dessa vez eu não poderia imaginar o que eu encontraria.

A Babi era aquelas pessoas que quando entram em uma sala atraem todas as atenções. Seja por sua beleza — tem gente que nasce com sorte né — seja por sua expansiva personalidade. Dizia ela que era pelo calor e irradiação que uma só uma leonina é capaz de emanar. Eu achava isso baboseira, ela era gata mesmo, simpática, comunicativa — às vezes até demais. Mas enfim, ela sempre atraía fácil os olhares de todos, principalmente dos homens, e com esse não foi diferente.

Ela me contou um dia muito empolgada que conheceu um cara muito gato num restaurante. Ela tinha ido almoçar com a família, toda arrumada, o lema dela é sair sempre maravilhosa porque a gente nunca sabe quem vai encontrar pelo caminho. Mas foi ele quem encontrou ela primeiro. Observava de longe, até que ela percebeu e começou a troca de olhares. Ela diz que era um lance de magnetismo bizarro. Só sei que saíram de lá e nem conseguiram saber o nome um do outro.

Mas o destino deu as cartas, e ele apareceu em um desses aplicativos de relacionamento. Deram match, marcaram um date, o date foi ótimo, e ela saiu instigada porque achou o cara muito misterioso. Ele não tinha redes sociais — muito suspeito, quem não tem hoje em dia isso, gente? — e só se falavam por ligação ou SMS. Ela já tava gamadíssima no cara, mas eu não tava satisfeita. Senti que tinha alguma coisa estranha ali e resolvi caçar o sujeito pela internet. Afinal, não existem barreiras para uma mulher dedicada a descobrir uma informação. E na pior das hipóteses, eu deleto tudo, bloqueio tudo e finjo que nem é comigo. Se alguém vier tirar satisfação eu uso meus dois anos de krav magá e meu canivete que ganhei de presente do meu ex-crush do colégio, é eu sei, esquisito, mas essa fica pra uma outra história.

Foi difícil, mas consegui achar uma rede social do cara já meio aposentada. Nas minhas buscas, joguei o nome completo dele na internet e achei um processo, mas não dava pra saber todas as informações, tinham algumas sigilosas ali. Descobri coisas estranhas, um blog que parece ser dele sobre cadáveres e dissecação. Pedi para um amigo hacker me ensinar a entrar na deep web e encontrei ele por lá, mas meu computador desligou de repente. Desisti de buscar, só avisei a amiga pra ela se afastar dele. Uma semana depois recebo uma ligação anônima, a pessoa não diz nada, só respira. Bloqueei o número.

Na outra semana recebi dos correios um pacote vazio com uma folha seca dentro. Joguei fora. Pesquisei o endereço do remetente e vi que dava no meio do nada, me senti no conto das 5 sementes de laranja, do Sherlock Holmes. Eram 5 sementes? Ou será que eram 7? Tem tempo que li, mas voltando! Na semana seguinte, recebi uma mensagem na internet dizendo que sabia onde eu morava e que eu tava me metendo onde não devia. E foi assim, toda semana algum tipo de mensagem ou tentativa de contato anônimo. Outro dia recebi no meu whatsapp várias fotos minhas na rua, na faculdade, no trabalho. Bloqueei o número e fiz um B.O. que não deu em nada.

Comecei a sentir como se alguém me observasse, me seguisse, mas quando olhava para trás não via nada. Fiquei tão paranoica que resolvi trancar o curso e me mudar por um tempo para a casa dos meus pais no interior, voltar pra lá não foi fácil, lutei muito pra conseguir morar sozinha na cidade grande, mas tinha medo do que poderia acontecer. Passei um mês tranquila, consegui estudar remotamente e me formar à distância, arrumei um trabalho no interior e pegava uns freelas online. Estava começando a gostar de morar na cidade pequena.

Até que um dia estava voltando do jogo de vôlei, minhas amigas foram ficando no caminho e eu segui por um pedaço pequeno sozinha. De novo veio a sensação de que alguém me observava. Apertei o passo, ouvia alguém andando atrás de mim e não quis olhar para saber, só segui em frente, quando chego em casa: meus pais sumiram. Nem sinal deles, telefone, nada. Tranquei a porta e fechei todas as janelas, tentei ligar pra eles, mas ninguém me atendia. Procurei pelos quartos e achei algumas fotos deles no dia a dia espalhadas pela casa, do mesmo jeito que as que me foram enviadas antes. Comecei a ficar nervosa e liguei para a polícia local. Fiz uma denúncia e em alguns minutos chegou uma viatura na minha casa, falei com o policial, descrevi tudo que ocorreu desde antes de eu me mudar, ele disse que passaria a noite ali na porta. Quando ele saiu para trocar com a outra guarda, ouvi um barulho de tiro seco. Olhei pela janela e os dois policiais estavam mortos. Um levou um tiro e o outro tinha sua garganta cortada. Meus pais não me retornavam. Liguei pra minha amiga, pra minha surpresa, sua mãe respondeu que ela se mudou pra fora do país para fugir de um ex obcecado por ela. Ela sequer me avisou isso! E agora o cara tava obcecado comigo! Entrei em pânico novamente, tinha medo do que poderia ter acontecido com meus pais.

Me tranquei no quarto e fiquei esperando alguma notícia. Ouvi barulho de vidro sendo quebrado no andar debaixo. Peguei meu velho amigo e segurei ele firme, a mão até doía pela força que eu tava colocando ali, mas eu não posso ficar minimamente nervosa que começo a suar e as mãos estavam pingando já. Me escondi no armário e mantive o máximo de silêncio que pude. Mal respirava, ouvia meu próprio coração bater acelerado e quase pular do meu peito. A maçaneta se mexeu, alguém estava forçando a entrada. Eu tremia sem poder me controlar, mas segurava firme o canivete. Meu celular no bolso no silencioso. A pessoa conseguiu quebrar a maçaneta e entrar no quarto. Não dizia nada, apenas escutava sua respiração pesada e abafada como se estivesse usando alguma máscara. A pessoa se aproximava do armário e eu segurava o choro e o medo ao máximo. Por alguma razão a pessoa desistiu de procurar e saiu do quarto, encostando a porta atrás de si. Esperei por alguns minutos, mas tinha medo dos meus pais chegarem e serem atacados. Pensei comigo mesma que precisava sair e fazer alguma coisa.

Finalmente saí do armário, o quarto estava escuro e vazio, a maçaneta quebrada no chão. Fui andando com cautela, tentando não fazer barulho. Olhei pela fresta da porta, nada. Abri devagar e escutei um barulho de chave na porta da sala. Meus pais! Saí desesperada sem pensar duas vezes, mas quando cheguei no degrau mais perto do andar debaixo vi ambos desmaiados e amarrados no chão. As lágrimas caiam pelo meu rosto sem que eu pudesse controlar. Uma figura alta, masculina, completamente vestida de preto me observava com uma estranha calma sentada na poltrona, os dois braços apoiados nas laterais, em uma das mãos tinha uma faca e na outra um revólver, apontou o revólver lentamente para mim e me indicou o sofá para sentar. Fui andando lentamente e sentei. Pedi e implorei que não matasse meus pais, eu iria com ele, faria o que fosse preciso. Ele não dizia nada. Apenas me observava.

Em um dado momento, alguém entrou pela cozinha, outra figura vestida completamente de preto. Eu não olhava diretamente porque queria vigiar os movimentos do homem sentado na poltrona. A figura se aproximou e me deu um tapa no rosto. Depois ouvi uma gargalhada familiar. Uma voz feminina disse:

Não vai olhar pra mim, vagabunda?

Me virei e ela retirou a máscara que cobria seu rosto. Logo a reconheci, era Babi, com uma máscara preta puxada para trás da cabeça, sorrindo maliciosamente.

Quem procura acha, não é mesmo? Você não quis se meter onde não devia? Agora já sabe quais são as consequências disso.

Meu pai abriu um dos olhos, mas ninguém pareceu reparar. Eu implorava com o olhar para que ele continuasse quieto. Ele entendeu minha súplica. Eu me desculpei com ela e disse que desde o início estava tentando garantir a segurança dela, mas ela estava impassível, mandou o homem esperar do lado de fora que ela mesma terminaria aquilo. Ele se levantou, hesitante, mas obedeceu. Saiu pela porta da sala e a fechou atrás de si. Ela se aproximou de mim com um punhal e cortou meu rosto com ele. Lambeu a ferida e disse:

Você acha mesmo que conseguiria escapar da fúria de uma leonina? Achou mesmo que poderia tomar meu lugar? Que roubaria meu admirador?

Eu só acenava negativamente com a cabeça, procurando uma brecha. Ela se movia muito, gesticulava, parecia um princípio de um ataque histérico, ria nervosamente e balançava o punhal no ar enquanto falava sozinha. Meu pai viu que ela não percebeu que ele estava vivo. Num movimento rápido e que só poderia ter acontecido em uma tentativa, ele puxou seu tornozelo com o pé e a derrubou no chão, eu imediatamente pulei em cima dela e enfiei meu canivete em seu pescoço. Meu pai puxou o punhal que ela derrubou com os pés e eu o ajudei a se desamarrar. Corri até minha mãe e vi que sua pulsação não indicava nenhum batimento. O pavor começou a tomar conta de mim e me paralisar.

O homem abriu a porta novamente e no mesmo instante em que ele atirou, meu pai pulou em sua direção. Não pude ver exatamente a trajetória da bala, mas sei que ele errou a mira. Eles começaram uma disputa física e outro disparo foi feito, vi a perna de meu pai sangrando e antes que me desesperasse por completo, me esgueirei por trás do homem e enfiei o canivete nas costas dele. Ele se contorceu para trás e tentou puxar o canivete com uma das mãos, mas meu pai o acertou um soco no queixo dele e o deixou zonzo. Eu chutei a parte detrás de seu joelho e ele caiu. Meu pai então tirou o revólver de sua mão e atirou no meio de sua testa. O homem caiu para trás de olhos abertos, afundando mais ainda o canivete em suas costas. Ao fundo, podíamos ouvir o som da sirene da polícia se aproximando. Encontrei o olhar cansado de meu pai que se deixava cair sobre seus joelhos. Corri para segurá-lo. Sabia que ficaríamos bem, agora restava salvar a mamãe. Só sei que depois desse dia, passei a me contentar em conhecer as pessoas através de uma boa conversa. Mas o canivete sempre na bolsa.

escrevi esse conto para um concurso de contos com a temática “o lado sombrio dos signos”, como ele não entrou na antologia, coloco ele aqui para aqueles que quiserem ler!

--

--